sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Roberto Fernández Retamar

Direito e dever de escrever sobre tudo



Absurda a ideia de que só podes escrever sobre o que te aconteceu
(O pouco, o ínfimo que aconteceu a esse corpo, a essa vida medida nas suas datas),
Como se tudo não te tivesse acontecido, como se
Houvesse uma tarde que não tivesse nascido para ti,
Como se todos os impérios, batidos pelos ventos dos desertos, devorados pelas selvas,
Não tivessem conduzido a ti,
Como se o mais longínquo astro, extraviado até ao limite do universo,
E também os astros que hoje já não existem,
E as nebulosas pensativas,
Não tivessem trabalhado, sabendo-o ou sem o saberem,
Para ti, para este instante, para este poema
Que se escreve graças ao alento exalado por Miranda ou Xenofonte
Com restos que sobraram de Cassiopeia.



(versão minha; original incluído em Juegos de Manos (Antología de la poesía hispanoamericana de mitad del siglo XX); organização de Ángel Esteban e Ana Gallego Cuiñas, Visor, Madrid, 2008, p. 702)

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